“Creed 3” e o confronto com o tempo

“Creed 3” e o confronto com o tempo

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Este texto tem pouca pretensão de ser crítico ao filme, e muito mais uma reflexão sobre o que “Creed 3” traz.

Se em “Rocky 3” temos a insegurança, quando Rocky se questiona se é realmente um bom lutador e se não seria só um mito forjado pelo seu ex-treinador, “Creed 3” refina os questionamentos de alguém que venceu na vida. Em “Creed 3” temos Adonis pensando também se não é um falso Creed, se seus méritos foram sorte ou foram luta… Mas também tem a necessária reflexão de encarar seu passado, de onde veio e onde está, e acreditar em suas próprias habilidades.

“Creed 3” fala muito sobre o tempo. O tempo que não volta, que não tem conserto nem deixa espaço pra remorsos. Adonis tem um misto de culpa e remorso pelo que passou na vida de Dame (Jonathan Majors, de “Lovecraft Country”), que outrora foi seu amigo que depois a vida afastou. Nesse sentimento misto, Creed vai atraindo Dame pra sua própria vida, como se tentasse consertar o que ficou lá atrás, como se víssemos uma fotografia que está rasgada e tentássemos colar só juntando os pedaços – inclusive, o ato de rasgar uma imagem está no filme, numa cena da menina Amara, mas não neste contexto 🙂 .

Do outro lado, o Dame de Jonathan Majors sabe que o tempo está contra ele, mas quer atalhos pra tentar conquistar o que não conseguiu. Agora ele quer a fama, a luta, a chance de provar que ele era realmente bom como se dizia anos atrás. Só que os 18 anos se passaram, e isso pesa. No desespero de tentar encurtar caminhos, ele é sujo, cínico, e por certas vezes beirando a deslealdade, tudo isso visto como um ato de quem está contra o tal do tempo, um homem que não quer admitir que expectativas e realidades nem sempre coincidem e que nem sempre dá pra correr atrás. Dame ainda acredita em algum milagre, quem sabe até ser um novo Rocky como Balboa foi no primeiro filme, o “desconhecido que surpreende”.

O filme fala do tempo vem, mas também que o tempo passa. Primeiro com o choque que temos com a idade que a filha de Adonis já tem – difícil não passar pela cabeça: “nossa, essa menina já está deste tamanho?”. A mesma idade que também vai chegando à mãe de Adonis, agora já uma senhora em idade avançada, que passou por problemas de saúde (Phylicia Rashād). Para aquela mulher, os anos também chegaram, e mesmo ainda sendo a coluna que sustenta Creed, ela já não é mais como era antes, mas ainda é mãe. E ainda que inconsciente, surge um diálogo sobre como ela perdoou seu marido através do que Adonis é para ela. Pra ela, o tempo fechou a ferida da mágoa, que deu lugar a um perdão.

O tempo também desafia Bianca, a cantora e esposa de Creed (Tessa Thompson). Já sabíamos que ela possuía um grau de surdez, e aqui chegou o momento onde ela não se apresenta mais nos palcos. Mas ela não se resigna a lamentar pelo que não pode mais fazer: Ela, como um exemplo, contorna a limitação que a vida lhe trouxe e consegue um jeito de seguir fazendo aquilo que ama, agora como produtora musical. Em uma cena, ela é até cutucada por Dame se realmente era o que queria fazer, ao que ela sabiamente responde. Mas ela tem seu próprio desafio no subtexto, que é com a filha, não só de criá-la junto a Adonis, mas de ver as habilidades que a garota tem e aceitar o que ela ama fazer.

O mesmo tempo que explicitamente ensina compreensão no caso da mãe, nos aquece de maneira abstrata ao pensar nele: Rocky Balboa. É claro que todos queríamos olhar mais uma vez pra Sylvester Stallone ali ao lado, dando outro ensinamento pra Creed. Mas, por outro lado, não seria cruel, depois de um final tão emblemático em “Creed 2”, trazê-lo de volta pra outra luta?


Mas Sly está ali. Não explicitamente, mas de alma. Porque este é outro ensinamento do filme: Nós já aprendemos MUITO com Rocky nas histórias anteriores. É hora de botar em prática em cada passo, em cada momento. E é aí que ele se faz presente, quando Adonis vai para seu treinamento e temos pequenos sinais que nos remetem à Balboa: É um espelho à frente de Adonis, onde no primeiro filme ele ensinou que somos nós mesmos quem somos nossos inimigos; é repetindo “Um passo, um soco, um round” enquanto caminha para o ringue, como nos disse pra fazer. E em cada round da vida, que sabemos que acaba e outro começa, é que reencontramos Viktor Drago (Florian Munteanu), que assim como em “Rocky 3” temos um inimigo que vira coach, aqui Drago sai de rival de outrora pra ajudar na preparação de Creed para voltar aos ringues. Além disso, quem quer um treinador, tem Wood Harris como “Duke”, que está desde o primeiro “Creed” ali, e Adonis precisa é de um treinador para a luta. Para a vida, ele já esteve muitas vezes com Rocky: Já ensinou muito, e está na hora de botar em prática.

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E é com essa relação de não ter medo de olhar pra trás mas caminhar para frente, é que chegamos à luta entre Creed e Dame. Que não tem os altos e baixos que estamos acostumados a ver nas lutas da franquia. Aqui é o equilíbrio quem manda. E entre outras coisas que “Rocky” nos mal-acostumou, é a saber que a luta final será desafiadora e tardará vários assaltos. Em todo filme da franquia, a vida é uma coisa, a luta é outra, ainda que se complementem. Aqui não. A vida se junta à luta. E é nesse momento que Michael B. Jordan, em seu primeiro trabalho de direção, teve a feliz idéia de inovar: Você não vê o tempo passar entre as lutas, uma vez que o tempo está passando de maneira DIFERENTE para aqueles lutadores: A “briga” deles não é, antes de ser por um cinturão, um acerto de contas do passado. Naquele momento, só os dois existem ali, porque é o momento deles.

E com tantas coisas pendentes, é um acerto visual para abstrair o psicológico dos protagonistas. No fim, após ambos encararem o passado, os dois lidam com o presente. E o final entrega que o que passou passou, num momento que sabiamente é entregue pela família Creed, que não precisa de sons pra se comunicar.

E como todo filme da franquia, seja “Rocky” ou seja “Creed”, não é a luta que importa, mas o que está entre ela. “Creed” fala de encontrar seu lugar no mundo, “Creed 2” fala sobre o quê te motiva a fazer o que você faz. E “Creed 3” fala em não ter medo de revisitar seu passado, de confiar no que você fez e sim, lidar com o tempo. Aceitar o tempo. Confiar que ele não se altera, nem se dobra ao que nós desejamos.

O tempo está lá, e nós vamos passar por ele, querendo ou não. Mas não precisamos ter isso como um fardo, porque ele, o tempo, também nos ensina.

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