Resenha: Oppenheimer
Christopher Nolan tornou-se para muitos uma figura dúbia em seu papel de cineasta. O mesmo diretor que foi aclamado pela maneira inventiva de criar histórias como em Amnésia e A Origem também já foi acusado de complicar mais que o necessário seus filmes, num “culto à inteligência” que nem sempre agradou ao público, como no filme Tenet. E estas duas visões de Nolan são absolutamente justificáveis mas não negam o principal característica dele: Alguém que busca por um máximo aproveitamento do cinema, da técnica e tudo que aquela sala fechada pode oferecer que ver em casa ainda não.
Em “Oppenheimer“, o perfeccionismo do diretor trouxe uma história da história americana, numa obra que implora ser vista com o máximo de recursos disponíveis pra contar um trecho nada belo da humanidade, como foi a criação das bombas atômicas.
Neste filme, acompanhamos a corrida armamentista no final da II Guerra Mundial (1939-1945), com a pressa do governo norte-americano em tentar criar uma arma definitiva para definir o fim do conflito. Sabendo que a Alemanha possuía conhecimentos de físicos, um oficial (Matt Damon, de “Perdido em Marte”) recruta o mestre em física nuclear Robert Oppenheimer (Cillian Murphy, de “O Cavaleiro das Trevas”) para ser o líder no projeto que reuniria cientistas para a criação da bomba atômica. Ainda que duvidoso do uso que governos dariam àquela arma, Oppenheimer traz nomes da física para uma cidade planejada, num processo que anda entre a descoberta científica, a corrida contra o tempo e as desconfianças que seus próprios contratantes tinham sobre ele mesmo, por suas convicções políticas, que o levam à um julgamento armado.
O Som como narrador
Ludwig Göransson, de filmes como “Creed” e “Pantera Negra”, é o nome por trás da grandiosdade deste filme. Goransson já merecia louros por seu trabalho nestes filmes, mas o que acontece em “Oppenheimer” é de genialidade absurda e inexplicável.
O grande ator do filme é o som. O som é a técnica e o motor desse filme. E sim, Nolan já havia tentado isso nos tique-taques de “Dunkirk”, mas só Goransson conseguiu impor a música como um narrador e condutor do que acontece durante as 3 horas de “Oppenheimer”. A tensão está em tudo, e a ansiedade também, mas elas só existem por uma trilha sonora que dá uma angústia e uma sensação de urgência que Nolan jamais antes conseguiu exprimir em tela, nem em “Interestelar”, que era uma corrida pela vida da Terra.
O cientista Robert Oppenheimer, de Cillian Murphy, é um homem centrado, que não tem rompantes de emoção. No filme inteiro, quase não existem momentos assim dos protagonistas, até porque o tema não cabe para surtos de emoção; Era um cenário de guerra, de medo da morte, cheio de politicagens e pressões militares. E como o personagem de Cillian Murphy não expressa sentimentos, a maneira que o filme encontra de mostrar o que se passava dentro das pessoas é pela trilha sonora, um absurdo técnico complicado de botar em palavras, mas estritamente ligada aos momentos de tensão do filme. É a trilha sonora que dá o tom de agonia. E é ela quem dita o sentimento do filme. Por essa razão, se alguém perguntar quem é o maior nome do filme, talvez fique difícil dizer um nome, mas com certeza A MÚSICA é o principal ator, um trabalho exímio que Nolan se aproveitou bem pra criar a sensação do longa.
Elenco grandioso, mas (talvez) inflado
Hollywood tem gerado muitos filmes de elencos com muitos nomes de peso de uma vez só. Acontece que isso gera uma curiosidade de ver como todos esses nomes serão aproveitados na tela.
Oppenheimer conta com isso também: Apesar de mediano Murphy (sim, muitas pessoas amam ele por Peaky Blinders, mas convenhamos), o cast tem Robert Downey Jr, Emily Blunt, Kenneth Branagh, Rami Malek…. uma enormidade de estrelas que com certeza incharam o custo do filme, mas que talvez não necessitassem estar ali.
São muitos nomes numa história que já é complexa. E com tantos nomes, muita gente passa batida pelo filme. O exemplo mais notório disso é Florence Pugh (de “Viúva Negra” e “Midsommar”). Pugh já é uma atriz reconhecida, com papéis de destaque em vários filmes. Ela aqui vive Jean, a amante casual de Oppenheimer. E É. SÓ. ISSO. A atriz fica reduzida à três ou quatro cenas em que aparece nua, e que não tem quase necessidade no filme, um completo desperdício de talento num filme que custou milhões de dólares. Existem outros casos de nomes que estão no filme que só sabemos porque procuramos depois em outras fontes, mas que passam completamente despercebidos no filme.
Em destaqe verdadeiro, estão Cillian Murphy (Oppenheimer), Emily Blunt (Kitty, a esposa do cientista), Matt Damon (o militar responsável) e Robert Downey Jr .
E num filme com esse pesos todos, quem se destaca largamente é Robert Downey Jr. Ele interpreta Lewis Strauss, um político no meio de um julgamento pelas ações do projeto que gerou a bomba atômica. O personagem de Downey Jr está em um outro momento da história, quase um filme à parte, que ele faz de maneira muito interessante.
Nesse “filme à parte”, destaque também para a atuação de Jason Clarke (de “Cemitério maldito”), que faz um interrogador do cientista altamente enérgico e provocador.
Uma história nada bela
A não-ficção de Nolan é uma tragédia anunciada no tom do filme. É um filme incômodo, que te gera sentimentos ruins, e que mostra como um personagem que já era complicado foi usado e descartado pelo governo depois de fazer o que queriam.
Mas quem disse que filme que te dá sensações ruins é ruim? Ora, se o filme te gera um sentimento, é um trunfo do diretor! E Nolan conseguiu fazer isso aqui. Ainda existem as complexidades que o diretor gosta de impingir nas suas obras, mas parece que ele aprendeu com a pasmaceira de “Tenet” e não deixou a dificuldade ser o motor do filme. “Oppenheimer” quer contar uma história crua e feia que o mundo viveu. E como nessa história não há nada de bonito, o filme também não faz questão de ser.
A prova disso é em um dos momentos de teste da bomba atômica. Na cena, existe uma comemoração dos envolvidos, pela arma dar certo. Mas, como espectador, vem a sensação: “Estamos comemorando o quê mesmo?”.
Esse sentimento misto é o que faz girar o filme inteiro, ainda que puxado e longo. Mas ele está lá. E isso talvez seja o trunfo do filme, que tem como pecado ser restrito a um público que já gosta do diretor.
Um desafio a assitir
Com três horas de duração, uma história dramática e uma complexidade conhecida, “Oppenheimer” definitivamente não é um filme que deve agradar às massas. Talvez nem seja o trabalho mais inventivo de Christopher Nolan (que este que vos escreve tem outras obras na frente). Mas o que esse filme tem pra oferecer pra quem gosta da tela do cinema é uma desvairada paixão pela técnica.
“Oppenheimer” é um filme meticulosamente bem-produzido tecnicamente, e uma melhoria no que o diretor tentou fazer em suas obras anteriores. O maior pecado de Nolan talvez ainda seja não trazer toda esse amor técnico para obras mais de apelo público, como faz James Cameron, Quentin Tarantino e outros. Por outro lado, assim como James Cameron, Christopher Nolan tem essa obsessão por aproveitar o máximo que o cinema pode dar à uma obra: Filmando em IMAX, criando tecnologias para seus filmes, usando o máximo do som…. E aí sim, reside o valor de Nolan: Em tentar fazer valer o ingresso de quem sai de casa e vai até uma sala de cinema pra ver um filme seu.