Deadpool & Wolverine: A celebração do capitalismo predatório
A chegada de Deadpool 3 ao universo Marvel Studios é um marco que vai muito além do ingresso do Mercenário Tagarela ao MCU. Este filme também sinaliza o fim definitivo da Era dos Mutantes sob o comando da 20th Century Fox, o estúdio responsável por trazer personagens icônicos como Wolverine, Magneto e Professor Xavier para as telonas. No entanto, por trás do humor ácido e das piadas irreverentes de Deadpool, há uma narrativa mais sombria sobre o capitalismo predatório que transformou o cenário da indústria cinematográfica.
O Início da Era dos Mutantes na 20th Century Fox
A história começa no final dos anos 90, quando a 20th Century Fox, tentando se diferenciar em um mercado dominado por grandes franquias, adquiriu parte dos direitos sobre os personagens da Marvel. Na época, a Marvel estava em uma situação financeira difícil e vendia direitos de seus personagens para sobreviver. Com isso, a Fox lançou X-Men em 2000, dando início a uma nova era de filmes de super-heróis, que, até então, não eram considerados grandes bilheteiras. O sucesso dos X-Men mudou a percepção de Hollywood sobre o potencial dos quadrinhos, preparando o caminho para muitas outras adaptações.
Mas o impacto da Fox no cenário dos super-heróis não se limitou aos X-Men. Quando a franquia parecia saturada, a aposta em personagens menos convencionais, como Deadpool, provou ser um acerto. Deadpool (2016) foi um fenômeno, desafiando as expectativas com sua classificação indicativa para maiores de 18 anos e um humor escrachado, que contrastava com a abordagem mais séria e convencional dos filmes da Marvel Studios. Isso reforçou a identidade da Fox como um estúdio disposto a arriscar e romper com o molde tradicional de filmes de super-heróis.
A Fusão Predatória: Disney e Fox
Com o sucesso da franquia X-Men e, mais tarde, de Deadpool, a Fox tornou-se um pilar na representação dos mutantes e de anti-heróis na cultura pop. No entanto, a maré começou a mudar em 2017, quando a Walt Disney Company anunciou a aquisição da 21st Century Fox, incorporando a 20th Century Fox em seu vasto império de entretenimento. Esta aquisição, que foi finalizada em 2019, não só resultou no encerramento de um dos estúdios mais antigos de Hollywood, mas também consolidou o domínio da Disney sobre uma parte substancial do mercado cinematográfico global.
A compra da Fox pela Disney envolveu valores astronômicos, na casa dos US$ 71 bilhões, uma quantia que reforçou o poder de mercado da Disney. A fusão também significou o retorno de personagens importantes da Marvel, como os X-Men e o Quarteto Fantástico, ao controle da empresa original. Embora essa reconfiguração tenha empolgado muitos fãs ansiosos para ver esses personagens integrados ao MCU, ela também suscitou preocupações sobre o monopólio crescente da Disney no entretenimento.
Além da questão financeira, o impacto dessa fusão foi profundo para a indústria cinematográfica como um todo. A 20th Century Fox, que havia produzido uma variedade de filmes inovadores e desafiadores ao longo de sua história, foi absorvida por uma corporação que prioriza franquias estabelecidas e seguras. Para muitos, isso simboliza uma perda para a diversidade criativa e um passo em direção à estandardização dos filmes, onde os riscos artísticos são minimizados em favor de fórmulas comerciais comprovadas.
A Comédia de Deadpool como Crítica
Essa fusão predatória transformou Deadpool em uma ferramenta satírica dentro de seu próprio universo. Em Deadpool 3, as piadas e os momentos metalinguísticos são abundantes, e o protagonista não hesita em zombar da compra da Fox pela Disney. Deadpool, com seu humor característico, celebra a aquisição ao mesmo tempo em que escarnece dela, reconhecendo, de forma irônica, o fim de uma era e sua entrada em um universo mais “controlado”. Ele brinca com os efeitos da fusão, apontando para a perda de liberdade criativa, e ainda celebra seu novo “status” como parte do mainstream da Marvel, onde tudo parece estar sob o rígido controle de um único conglomerado.
Deadpool, em diversas cenas, utiliza a comédia para expor as consequências dessa aquisição, comentando sobre a inevitável “disneificação” do seu próprio personagem. Isso inclui desde piadas sobre a suavização de temas violentos até referências diretas à influência da Disney na narrativa e no tom dos filmes. Com isso, o filme não apenas faz rir, mas também convida o público a refletir sobre como grandes corporações moldam o conteúdo que consumimos, muitas vezes eliminando a autenticidade que torna essas histórias únicas.
O Futuro da Diversidade Criativa no Cinema
Essa dualidade entre o riso e a crítica é o que torna o filme um símbolo perfeito do capitalismo predatório. Enquanto Deadpool aparentemente “vence” ao se juntar ao MCU, a verdadeira vitória é da Disney, que se tornou ainda mais dominante, eliminando a competição e restringindo a pluralidade de vozes no cinema. Filmes como Deadpool 3 podem até se destacar por sua irreverência e inovação, mas o que está em jogo é o futuro da diversidade criativa em Hollywood.
Ao consolidar estúdios e franquias sob um único guarda-chuva corporativo, há uma preocupação crescente de que o mercado cinematográfico se torne uma monocultura de produções, onde as decisões criativas são ditadas não pela inovação ou originalidade, mas pelo potencial de gerar lucro dentro de uma fórmula pré-determinada. A compra da Fox pela Disney exemplifica essa tendência, e o último filme de Deadpool, com toda sua irreverência, serve como uma celebração e uma crítica dessa realidade.
Além disso, essa centralização do poder cria um ambiente em que o controle do conteúdo está nas mãos de poucos executivos, que definem quais histórias merecem ser contadas. Isso resulta em uma indústria cinematográfica menos diversa, onde filmes de grande orçamento dominam as bilheteiras, enquanto produções independentes e experimentais lutam para encontrar espaço. O impacto disso não é apenas comercial, mas também cultural, já que as vozes que antes ofereciam novas perspectivas estão sendo silenciadas ou absorvidas por uma máquina de produção padronizada.
A Celebração do Capitalismo Predatório
Ao final, o que fica é uma reflexão sobre o impacto dessas fusões no panorama cultural e criativo. Se, por um lado, Deadpool se consagra como parte do MCU, por outro, a pluralidade de estúdios e a competição saudável, que são os motores da inovação artística, parecem estar diminuindo. O capitalismo predatório, que antes era um tema velado, agora é parte do espetáculo, enquanto o mercado se transforma em um campo de poucas opções, controlado por conglomerados gigantes.
No entanto, enquanto Deadpool ri, o público é lembrado de que essa celebração tem um custo. A perda de diversidade criativa e o aumento do controle corporativo não são questões triviais; elas moldam a forma como consumimos cultura e como histórias são contadas. Deadpool 3 pode ser visto como uma sátira brilhante dessa nova era, mas também como um alerta para o que o futuro reserva para o cinema e para as vozes que ainda não foram ouvidas.