Greve de Hollywood: Fernanda Schein nos dá a sua visão

Greve de Hollywood: Fernanda Schein nos dá a sua visão

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A greve dos atores e roteiristas de Hollywood expôs uma grande crise nos estúdios. Desde maio passado, mais de 11 mil profissionais paralisaram suas atividades para reinvidicar direitos trabalhistas. Em especial, exigem regulamentação do uso da Inteligência Artificial para criar roteiros no cinema e na TV. Em sua estreia, a série Invasão Secreta ganhou as redes sociais não pelo seu episódio, mas sim pela sua abertura totalmente feita em IA.

Na metade de junho foi a vez dos atores se unirem à causa. A classe briga por uma revisão nos ganhos de residuais de suas séries exibidas em streaming. Além de também argumentarem temer serem substituídos pela IA. Lembrem-se que já não é tão incomum vemos atores reproduzidos artificialmente, estejam eles falecidos ou não.

Um movimento deste tamanho não é visto pela indústria desde 1960.

Greve visa a “sustentabilidade da indústria e seus trabalhadores”

Para nos ajudar a entender a greve e as reivindicações, conversamos com a cineasta Fernanda Schein, brasileira que trabalhar como editora da Netflix e da A24 Films, e coleciona mais de 30 prêmios em festivais de cinema no primeiro semestre de 2023.

Fernanda mora e trabalha em Los Angeles e gentilmente respondeu nossas perguntas, comentando a repercussão do tema. Confira a conversa abaixo:

Em tempos de discutir a inclusão de Inteligência artificial no uso da criação de filmes, uso de imagem feito digitalmente, inclusive de astros já falecidos (como o ator Peter Cushing em Star Wars Rogue One e, recentemente, o ator Christopher Reeve como Superman em The Flash) e na tomada de decisão das distribuidoras de quais projetos recebem sinal verde ou não, qual é a importância dessa greve para a classe dos roteiristas e atores?

“As greves de sindicato são sempre muito importantes. O que a gente precisa entender é que a medida que o tempo passa novas tecnologias surgem e a indústria vai descobrindo novas maneiras de ganhar dinheiro, e os trabalhadores e os seus sindicatos precisam de um tempo para observar e reconhecer de que forma essas novas tecnologias podem ser prejudiciais para eles, e formas de regulamentá-la.

Então a importância da greve de agora é essa, é a gente encontrar a melhor forma de regulamentar os streamings e a IA, porque a realidade é essa agora – resistir as tecnologias não é o caminho porque elas vieram pra ficar e já estão em uso, mas devemos sim encontrar uma forma mais consciente de usá-las, que não desvalorize o trabalho artístico de verdade.“. 

Atores do elenco de apoio de séries originais da Netflix reclamam do valor residual que recebem, mesmo com as séries de grande valor financeiro para o streaming, e há casos em que o streaming enriquece, mas o criador da produção, não. Você vê algum “final feliz” para os grevistas nessa queda de braço?

 “Eu acho que a gente vai sim encontrar um caminho, só que ao que tudo indica ele pode infelizmente demorar vários meses. O principal problema dos residuais do streaming é que eles não divulgam o número de visualizações. Quando um filme estreia no cinema, você sabe quantos ingressos foram vendidos e o preço de cada um. Na televisão, há controle dos níveis de audiência, o que muitas vezes determina os ajustes de salário da equipe.

Mesmo no youtube, canais gigantes que tem praticamente os seus próprios estúdios como o Mr.Beast, sabem os números de visualizações e quanto exatamente cada vídeo gerou. Nesses formatos, o artista ou seu advogado, sabe exatamente quando deve receber. 

Já os streamings não divulgam seus números de visualizações. É impossível “conferir” esse cálculo. E os streamings tem muitas razões para não querer divulgar esses dados, inclusive a própria competição entre as plataformas. Por isso os estudiosos da indústria que vem acompanhando as negociações dizem que essa pode ser a greve mais longa que já vimos até agora. A curto prazo vai ser muito difícil e vai prejudicar muita gente que vai ficar sem emprego.

Mas eu confio que esse sacrifício vai ser valioso para a sustentabilidade da indústria e seus trabalhadores no futuro.”.

É nessa hora que pequenos estúdios devem prestar apoio às reivindicações dos grevistas? Como você vê o posicionamento deles nesse momento, se é que há algum?

“Sim, e eu acredito que isso já está acontecendo, mas o impacto é relativo e difícil de mensurar. O problema é que essas pequenas produtoras podem até ter capacidade própria de produzir conteúdo, mas ainda dependem dos estúdios maiores para conseguir bons contratos de distribuição, por exemplo, que hoje está muito diretamente ligado aos streamings que eles controlam.

Muitos roteiristas e atores que estão em greve tem suas próprias produtoras, e de praxe todos apoiam a greve. Aqui o sindicato é bem organizado e bem ativo, e quem fura greve fica com muita dificuldade de conseguir trabalho depois. Então acaba que essa queda de braço fica mesmo entre os principais e maiores estúdios, e a liderança dos sindicatos.”. 

Como as greves dos atores e dos roteiristas em Hollywood impactam o cenário global de entretenimento? Mercados emergentes, como o chinês e o sul-coreano, podem ser importados como “alternativos” ?

 “Hollywood é um dos principais centros de produção cinematográfica e televisiva, e as paralisações podem resultar na interrupção de lançamentos de filmes e séries, atrasos na produção e prejuízos financeiros. Então sim, acho que isso pode abrir espaço para que outros mercados emergentes, como o chinês e o sul-coreano, sejam considerados como alternativas viáveis para a produção e distribuição de conteúdo. Esses mercados têm crescido expressivamente nos últimos anos e possuem um público cada vez mais amplo, o que pode torná-los atrativos para investidores e produtores em busca de oportunidades fora de Hollywood. 

Até porque se as greves perdurarem bastante tempo, os streamings vão começar a ficar sem o que lançar, e talvez realmente precisem fazer aquisições de conteúdo internacional, onde a produção segue normalmente. Acho que além disso, também vamos ver um “boom” de reality shows e documentários, já que esses gêneros costumam operar mais fora do sindicato por não ter um roteiro exato e não ter atuações, apenas pessoas reais sendo entrevistadas ou acompanhando seu dia-a-dia.”. 

Que lições estes movimentos trazem ao universo brasileiro de TV e cinema? Que tipo de mensagem ele traz para a realidade nacional de criação?

Que a união faz a força! E que a classe do cinema no Brasil precisa ser repensada, ganhar investimento, e se organizar entre si. Por exemplo, se os roteiristas de uma novela no Brasil decidirem que não estão sendo recompensados de forma justa, e pararem de trabalhar, no mesmo dia outra pessoa pode ser chamada e começar a escrever. Porque não há organização sindical que regularize essas situações, ou que proteja os direitos de quem trabalha com cinema/televisão.

A gente merece uma indústria cinematográfica mais estável no Brasil.“.

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