“Messiah” | Como mudei minha visão do nosso cenário sócio-político

“Messiah” | Como mudei minha visão do nosso cenário sócio-político

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Pessoal nossa colaboradora Juliana Negri fez esse texto bem legal contando sua experiência ao assistir a nova série “Messiah”, da Netflix.

Juliana é profissional da área do entretenimento, formada em jornalismo, atua como produtora e professora da área de comunicação para a música e showbusiness, viciada em séries, filmes e documentários, nerd de carteirinha, fã do Spock, do Iron Maiden e devoradora de livros. Confiram e aproveitem a leitura:

Essa semana eu recebi uma recomendação: assistir “Messiah”, uma série nova, que estreou no dia 1 de janeiro na Netflix. Perguntei do que se tratava a série e a resposta foi um silêncio misterioso, seguido de “não dá pra explicar, você só precisa assistir”. Como é de praxe, eu dei uma enrolada, olhei a ficha técnica, assisti ao trailer e fiquei estudando a possibilidade de gastar a minha energia em uma série que poderia ser uma decepção, como foi “The Witcher” (me julguem, eu não gostei).

Dei play no primeiro episódio ainda sem consultar as primeiras polêmicas que já estavam rolando sobre a obra – antes da estreia já tinha abaixo-assinado de gente na Jordânia pedindo que a série não fosse exibida porque o “conteúdo pode ser amplamente percebido ou interpretado como uma violação da santidade da religião.” Em tempos de censura escancarada (aqui no Brasil, um especial de natal do Porta dos Fundos continua causando polêmica), minha motivação foi de ver logo antes que alguém tirasse do ar.

ATENÇÃO, A PARTIR DE AGORA, O TEXTO CONTÉM SPOILERS

A série de Michael Petroni conta a história de al-Masih, um homem que surge como um pregador aleatório em meio a uma tempestade de areia em Damasco, durante mais uma tentativa do Estado Islâmico em fincar sua bandeira na Síria. Esse início é baseado em fatos, já que uma grande tempestade de areia atingiu mesmo a capital em 2015, e o EI precisou recuar temporariamente. O que ocorre é que, entre o grupo de pessoas que o ouviram – e o chamaram de falso profeta – vários passam a atribuir a al-Masih o fim do grupo terrorista. Esses tornam-se seguidores do misterioso homem, que os conduz em uma caminhada pelo deserto. Jibril, um jovem que perde sua família durante os conflitos, é seu principal seguidor e um forte agente de mudanças que acontecem ao longo da série.

Claro que um homem que pode ser xiita liderando uma caminhada de dois mil sunitas chamaria a atenção dos Estados Unidos. A agente da CIA Eva Gellar começa a monitorar a atividade de al-Masih no Oriente Médio quando uma série de eventos é desencadeada – a marcha tem como destino final a fronteira com Israel culmina em protestos e rebeliões crescentes na região. O profeta é preso por Aviram Dahan, um sujeito que não só é assombrado por seu passado como é assombroso por seu suposto pragmatismo. Em paralelo, um tornado de grandes proporções no meio do cinturão bíblico norte-americano, com a aparição misteriosa e providencial de al-Masih, muda para sempre a dinâmica da família pacata e cheia de problemas de um reverendo local, Felix.

Durante o desenvolvimento desse texto, eu acabei pesquisando sobre o que já saiu sobre “Messiah” e, perdoem-me os críticos, mas não pude deixar de notar um certo simplismo nas críticas negativas que recaem sobre a obra. Ao que me parece, vários dos textos ignoram o desenvolvimento das histórias secundárias da série, como a do estudante de Ciência Política protegido por Eva, a história pessoal da agente da CIA e seu pai, os meandros da família de Felix e seu sogro, as conversões religiosas de Jibril e seu amigo… Cheguei a ler que o discurso da série é vazio: mais uma vez eu peço desculpas aos críticos profissionais, mas seria preciso que eles compreendessem mais os contextos geopolíticos, o cristianismo, o islã, o judaísmo e claro, as escrituras e ensinamentos desses três círculos. Muita gente se fixa no “apelido” do profeta, outros prendem-se à fé cristã dos produtores, e alguns ainda se fiam no fiasco anterior de Petroni, com “Miracles”.

Dito isso, minha compreensão é absolutamente oposta às criticas: a primeira metade dessa temporada de estreia funciona como uma preparação de terreno para o que vem na segunda metade, e essa, uma preparação para a próxima temporada. Os diálogos podem parecer mornos, sem muito sentido e vazios, como li em alguns textos, mas eu enxerguei os contextos da série de outra forma. São frases e ações sutis, mas carregadas de significados poderosos. E aqui jaz um problema que enxergo nas opiniões emitidas sobre “Messiah” até o momento. Elas exploram paralelismos semânticos entre al-Mesih e Jesus Cristo, apenas como se fosse o “segundo advento”. Isso me soa simplista. Talvez eu esteja enxergando coisas demais onde elas não existem, isso devo admitir, mas não custa abrir um pouco mais a mente para uma das reflexões mais poderosas e difíceis de se obter uma resposta: até onde estaríamos preparados para receber o filho de Deus nessa Terra, nesse momento geopolítico, nessa era em que tanta gente explora as mitologias para obter lucros?

Pensem no tamanho dessa teia em potencial explorada pela série: vivemos um período em que a polarização de opinião está em voga, o viés de confirmação está mais vivo do que nunca, em que tecnologia aliado a um bom texto te faz acreditar numa verdade falsa; nosso planeta hoje sofrendo com efeitos devastadores que, mesmo ao testemunharmos com nossos próprios olhos, não somos capazes de acreditar. Charlatões hoje são salvadores e pessoas de bom senso são caladas. Censuramos comédia, simplificamos tudo o que não somos capazes de compreender, justificamos tudo aquilo que nos parece correto com argumentos pra lá de absurdos.

“Messiah” ainda é uma história a ser contada. O final da primeira temporada não me parece tão óbvio assim. É uma série que certamente já deixou má impressão em muçulmanos, cristãos e quiçá judeus (ainda não vi manifestações da comunidade judaica). Mas acredito que essa má impressão possui raízes na justificativa de que suas fés podem não permitir os questionamentos propostos pela série. Diferente dos que já tiraram suas conclusões a partir dos dez primeiros episódios, eu deixo aqui algumas perguntas que ainda não foram totalmente respondidas pela série: por quê al-Mesih abandonou a todos no deserto? Qual o papel real de Jibril nisso tudo, e como é possível ele ter sobrevivido? Por quê o presidente norte-americano permanece indeciso sobre os pedidos de al-Mesih? E por quê esse dito “messias” opera determinados milagres, tão pontuais? O que está por trás da vontade de Deus na série? A investigação da CIA e de Israel é meramente baseada em viés de confirmação? A fé é um instrumento divino ou humano?

Eu ainda tenho muitas perguntas e muitas reflexões, e nenhuma delas passa pelo fato de al-Mesih usar Nike, correr na esteira ou não sair curando todo mundo ou fazendo milagres quando lhe é solicitado. Pra isso inclusive, deixo pra vocês Mateus 13:58: “E Jesus não realizou ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquelas pessoas.”

Não consigo dizer com a convicção de outros que a série é ruim, pelo contrário; é um excelente instrumento para quem possui pensamento crítico. Eu sugiro ir um pouco adiante em suas proposições, frases que parecem soltas e focar nas histórias secundárias. É uma temporada para assistir pelo menos duas vezes. Mas um fato é absolutamente inegável – “Messiah” é profética. Assistam para entender.

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