O artista e a arte, de Corman à Varda
A ideia inicial dessa coluna é propor discussões a partir de filmes que foram lançados ou estão presentes em alguma plataforma de streaming. Ponto positivo disso é que terei a oportunidade de escrever sobre filmes que eu adoro, mas que já se passou muito tempo desde o seu lançamento para escrever uma crítica ou algo nesse sentido.
Os dois filmes que irão iniciar essa coluna são: “Um Balde de Sangue” do ano 1959 com direção de Roger Corman e “Saudações, Cubanos!” de 1964 com direção de Agnès Varda. Estes são dois diretores bem conhecidos e diferentes, assim como os filmes que vamos falar aqui. “Um Balde de Sangue” é um filme de horror. Um suspense sobre um assassino com a pretensão de ser um artista. “Saudações, Cubanos!” é um documentário feito a partir de uma série de fotografias que Agnès Varda tirou durante sua passagem por Cuba, alguns anos após a revolução que levou Fidel Castro ao poder.
Cabe aqui fazer uma pequena apresentação desses dois grandes diretores para aqueles que ainda não os conhecem. Roger Corman é um conhecido autor no cinema de horror, responsável por diversas obras do gênero e pela inesquecível adaptação de Lovecraft “O Castelo Assombrado” em 1963. Agnès Varda foi uma importante cineasta e uma das referências para a Nouvelle Vague Francesa. Seus filmes discutiam muitas das questões que eram importantes na época e quando revisitamos suas obras, vemos a sua relevantes ainda nos dias de hoje. Não surpreende, afinal, Varda filmou praticamente até o final de sua vida no ano de 2019.
Passada essa singela apresentação podemos nos perguntar: o que esses dois filmes têm em comum para partilharem espaço no mesmo texto? Bom, o filme de Corman trata da obsessão de um garçom em se tornar um grande artista. Essa obsessão o leva até o assassinato e a tentativa de utilizar as criaturas que ele mata como arte. O filme de Varda é, para mim, a própria definição de arte. Através das fotografias conhecemos a história de Cuba, da sua população, dos motivos que levaram à revolução e os avanços que vieram depois da conquista do processo revolucionário. A forma como Varda organiza as fotografias e nos condiciona através da narração é didática e de uma beleza surpreendentemente tocante.
Enquanto em Varda temos a beleza da arte, em Corman vemos a subversão e uma face cadavérica dela. O personagem Walter quando assassina pessoas modela o corpo das suas vítimas em argila com intuito de passar aquilo como uma obra inteiramente sua. Engraçado que de um ponto de vista Walter não é um grande artista nem naquilo que ele finge fazer nem naquilo que ele realmente faz, já que logo ele é descoberto pelas pessoas que estão admirando sua arte, pela péssima qualidade de suas modelagens.
É óbvio que tudo isso pode ser apenas malabarismos para encaixar os dois filmes no mesmo texto, mas foi interessante criar esse diálogo sobre dois filmes aparentemente tão diferentes.
Os dois filmes e muitos outros podem ser assistidos na plataforma de streaming Mubi.