“Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” e a união do Masculino e Feminino

“Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” e a união do Masculino e Feminino

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A última abordagem de Nolan no universo do Batman se passa 8 anos após a morte de Harvey Dent, que foi transformada em motivador para a lei criar artifícios que praticamente erradicaram o crime organizado na cidade. São tempos de paz e prosperidade para os cidadãos. Mas basta olhar atentamente, que as mentiras transparecem.

Ao invés de verdadeiramente se unirem em comunhão, tudo em Gotham se mostra esperar pelo próximo desastre. Bruce se impôs um exílio, embora aposentando a capa e o capuz, nunca tendo de fato seguido em frente.

Se em “Begins” Bruce precisa lidar com sua insuficiência diante do trauma da morte dos pais e em “Cavaleiro”, com seus excessos e pretensões à Divindade, em “Ressurge” Bruce passa a lidar com sua falta de fé em um futuro e seu inconsciente desejo de morte.

A própria ala da mansão Wayne, onde ele passa seus dias, exala uma sensação de colapso, agora com seu corpo debilitado e sua unificação no Jardim com sua contraparte feminina brutalmente tirada de si. Novamente a mansão é devolvida a um estado de  apatia, paralisada no tempo, Similarmente, as Empresas Wayne estão falindo, e há consequências diretas, já que seus fundos eram usados para beneficiar lares de crianças carentes, um símbolo de potencial para nova vida.

Bruce segue acreditando na mentira de que Rachel havia escolhido a ele, e não a Harvey, como sua contraparte. E o peso da mentira não só afeta Bruce, mas outros personagens. O comissário Gordon perdeu sua família devido à mentira da morte de Harvey Dent. E está para ser demitido.

Outro personagem que vive uma mentira é Selina Kyle, uma ladra oportunista que está sempre procurando por sua próxima vítima, uma femme fatale que justifica seus golpes como sendo um equilíbrio social, uma espécie de Robin Hood, mas que não dá aos pobres, mas somente a si mesma.

Selina é apresentada como alguém que se perdeu. Egoísta ao invés de protetora, incapaz de criar vínculos. Como Bruce, ela está parada no tempo, enquanto corre atrás de achar uma lenda urbana conhecida como “ficha limpa”, um software que seria capaz de limpar a ficha criminal de qualquer pessoa, o que lhe permitiria um novo começo longe de Gotham.

Porém, sua busca atrás desse objeto aparentemente inexistente ecoa com a crença de Bruce de que não há estrada para a salvação, e nem possibilidade de futuro e um novo começo. 

Então, como a contraparte feminina de Bruce, ela incorpora a fé em uma nova vida, algo que falta totalmente nele. E, como veremos ao longo do filme, ambos vão precisar aprender a se comunicar para entrarem em comunhão e salvar o mundo.

E uma vez mais, a luta interna de Bruce é refletida na sociedade de Gotham. Ao invés de completar sua ascendência rumo ao Jardim, ela lentamente regrediu à arrogância e ingenuidade, ao acreditar na mentira de Harvey Dent.

Isso causa uma total falta de atenção ao perigo iminente que cresce abaixo da cidade, o descaso das classes superiores em relação aos menos afortunados e na migração das pessoas para os túneis subterrâneos da cidade, vagarosamente erodindo suas fundações.

Assim como Bruce, Gotham está paralisada no tempo, apenas esperando pelo próximo e iminente colapso interno. E sua ascendência rumo ao Jardim é apenas uma fachada que esconde a real confusão que lhe corrói internamente.

Um exemplo desse desajuste na ordem de Gotham é quando a polícia usa de todas as suas unidades para perseguir o Batman ao invés dos assaltantes da bolsa de valores. Por outro lado, ao decidir interferir em pessoa, Bruce mostra que ainda não confia completamente no povo de Gotham e em suas autoridades.

Vemos esse sentimento também no reator de fusão nuclear que proveria a cidade com energia gratuita, limpa e renovável, mas que tem seu projeto cancelado após Bruce perceber o potencial da máquina de ser convertida em um explosivo nuclear. O que, como vemos adiante, acontece.

Aparentemente incapaz de completar sua missão, e sendo negado de se reunir com sua contraparte feminina no Jardim, Bruce está parado no tempo. Com tudo isso, ele regride à apatia e, consequentemente, a um desejo de morrer.

O que deveria ser um retorno à glória para o Batman, se torna um indicativo da descida de Bruce rumo à morte. Sua falta de fé e seu fatalismo reprimido se manifestam na figura de Bane. Como Ra’s Al Ghul e o Coringa, Bane é também parte da sombra de Bruce, um agente da morte, uma personificação invertida da figura de São Cristóvão.

Em sua extrema força e assustadora aparência, ele incorpora a figura do monstro no limite do mundo. Sua máscara acentua sua animalidade e falta de espírito. Mas diferente de São Cristóvão, que se devotou aos serviços do Senhor ao carregar Cristo quando criança através do caos, Bane desce através da dor, raiva e ressentimento após ajudar a jovem Talia a escapar do poço.

Enquanto Bruce tentou transformar sua dor em algo positivo, Bane só dá atenção ao Deus da Morte. Em seu niilismo fatalista, como um ex-membro da Liga das Sombras, sua única missão é destruir, e não construir. E assim como Bruce, sua crença na morte é guiada por sua dogmática devoção à mulher que ama, mas que nunca estará em total união. 

Então, a relação secreta de Bane e Talia se torna um reflexo do apego de Bruce ao luto e suas tendências autodestrutivas causadas pela morte de Rachel. Também em contrapartida, Bane é o outro lado de Bruce. Enquanto lhe falta fé, deixando-o completamente desiludido em suas motivações, Bane tem total fé em seu objetivo.

A falha de Bruce em não reconhecer esse aspecto de sua sombra o leva a uma fragmentada e gradativa queda rumo a morte da sua identidade no fundo no poço.

Primeiro ele é confrontado por Alfred com a verdade sobre Rachel, em uma tentativa de impedi-lo de seguir rumo a morte certa, um virtual suicídio, por assim dizer. Bruce não toma essa revelação como um esclarecimento, mas a recebe cheia de ressentimentos e culpa, o que o leva a demitir Alfred, livrando a si mesmo daquele que sempre agiu como sua consciência.

Depois a perda de sua posição nas empresas Wayne e de todo o seu dinheiro. Essa queda rumo ao caos é externada por uma tempestade e o corte da luz na mansão. O consequente romance com Talia/Miranda é, portanto, não uma potencial reunificação, mas sim uma indulgência no seu trauma pela morte de Rachel.

Logo, sua descida para enfrentar Bane nos esgotos não é uma tentativa de impedi-lo, e sim sua vontade de morrer, ser engolido pelo caos.

O Ressurgimento

Com seu corpo quebrado, Bruce desce até o poço no limite do mundo, onde é forçado a assistir, impotente, sua cidade ser engolida em chamas antes de morrer. E por assim dizer, o destino de Gotham espelha o estado mental de Wayne nesse momento, sua queda em nível social.

A começar pelo prefeito que, em sua ingenuidade e falta de confiança no povo, envia toda a polícia para os esgotos sob o subterfúgio de um treinamento, escondendo da imprensa a real gravidade da situação. Ao mesmo tempo, Bane toma controle do arsenal do Batman e converte o reator em uma bomba nuclear.

Então, da mesma forma que a identidade de Bruce é destruída por inteiro, a cidade também tem sua destruição iniciada durante o jogo de futebol, um lugar notoriamente conhecido por ser um símbolo da identidade pública. O canto do hino, uma representação dessa identidade, é subvertida por Bane através da destruição do campo e da morte do prefeito.

Essa destruição começa a se espalhar por Gotham, prendendo a polícia em uma armadilha. E assim como Bruce é confrontado pela verdade sobre a morte de Rachel, o povo de Gotham também é confrontado pela verdade sobre a morte de Harvey Dent. 

Bane inverte a ordem da cidade com o caos, onde criminosos se tornam o braço armado e o sistema judicial é liderado pelo Espantalho julgando quem querem à revelia, e sempre assumindo culpa por parte dos julgados, o exército que deveria ajudar se tornam guardiões da nova ordem e cidadãos são considerados criminosos.

Essa nova hierarquia não é baseada em um acordo feito pelo povo, mas sim pelo medo opressor da morte. Logo, assim como a prisão de Bruce, sua nova vida é baseada em uma falsa esperança. Morte é a única forma de se seguir adiante, representada pelo severo inverno que assola a cidade. 

Novamente, Bruce tem sua queda, atingindo o fundo do poço, confrontado por sua impotência em face da morte certa, sendo confrontado por sua falta de fé e sua vontade suicida na forma de Ra’s Al Ghul. Mas ao invés de se entregar, Bruce se resigna e começa, lentamente, a confiança enquanto fortalece seu corpo para se erguer para fora da prisão.

Aos poucos, Bruce percebe que não é sua força física ou sua determinação de salvar o povo de Gotham que irá tirá-lo da prisão, mas sim uma mudança interior, uma fé revigorada na vida que o libertará das auto-impostas correntes que o impedem de ter uma vida, e dar o salto de fé.

Livre da prisão e de suas correntes, Bruce começa sua longa caminhada rumo ao topo da montanha e ao centro, começando pelo seu retorno à Gotham e sua fé no potencial de uma nova vida ao entregar a Selina o “ficha limpa”, ao mesmo tempo que engana Bane ao achar que ele aceitou seu destino de morrer e se “entregando” para chegar a Lucius Fox.

Ao mesmo tempo, na escala social, a polícia aprisionada se prepara para escapar. Ambos os movimentos culminam na imagem definitiva da transformação da vida através da morte no retorno de Batman durante o quase exílio de Gordon, que causaria sua morte. O morcego, um símbolo de animalidade, escuridão e morte, é literalmente erguido e transformado em uma imagem de glória, a fênix se reerguendo das cinzas.

Tal renascimento acontece tanto de modo físico, quando a polícia finalmente escapa do subterrâneo, quanto de modo psicológico, quando o povo de Gotham tem sua esperança renovada com o retorno do Batman. Agora o palco está pronto para uma última batalha contra a sombra de Bruce, que irá determinar tanto o seu destino quanto o destino da cidade.

Mas a batalha definitiva se torna recuperar o artefato nuclear para impedir a sua explosão, que espelha uma representação física do trauma de Bruce. A pergunta que surge é: conseguirá Bruce transcender o trauma da sua vida e transformá-lo em algo bom ou ele se permitirá ser totalmente consumido por ele e se permitir morrer?

Com sua crença revigorada, Bruce consegue vencer Bane. Mas logo em seguida é confrontado pela traição de Miranda e a revelação de sua identidade como a filha de Ra’s Al Ghul, com seu ressentimento ecoando na mente de Bruce, aparentemente incapaz de se libertar de seus sentimentos de culpa diante da morte de Rachel.

Entretanto, ao acreditar em um potencial de uma nova vida para si mesmo, Bruce é salvo por Selina, sua verdadeira contraparte feminina, que abandonou os próprios interesses egoístas ao retornar para salvar Bruce e Gotham da aniquilação.

Agora cabe aos protagonistas impedirem a explosão nuclear. Mas, em ordem de transcender seu trauma de uma vez, Bruce deve morrer para si mesmo. A morte de Talia se torna a imagem definitiva de um último “adeus” ao seu desejo de autodestruição pela morte de Rachel.

Essa “morte” é mostrada não através de uma descida às trevas, mas de uma ascensão para além de seus traumas, através do fogo, rumo à uma nova aurora, transformando morte em vida em um derradeiro ato de sacrifício.

Esse ato salva Bruce, ao torná-lo um símbolo, mas também Gotham e sua população, ao inspirá-los na subida rumo à montanha. Assim como Bruce ascendeu, a cidade também ascende, para fora das cinzas, em total comunhão. Sua morte não é definitiva e nem punitiva em sua natureza mas, ao invés, é a imagem de um renascimento, uma unificação completa do masculino com o feminino no Jardim.

Em uma última análise, a história de Bruce Wayne na trilogia do Cavaleiro das Trevas é a história de um homem caído, confrontado por seus demônios interiores e transformando-os em um veículo para o bem. É a história de uma ascendência à montanha, através do caos e transcendendo sua tragédia. De um homem encarando a morte, e escolhendo a vida.

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