Crítica: Viúva Negra
Era um pedido muito antigo dos fãs. Muito mesmo. Pra ser mais preciso, desde a primeira aparição de Scarlett Johansson em “Homem de Ferro 2” (2010), quando a personagem foi apresentada. E foi preciso esperar até a Saga do Infinito se fechar para 11 anos depois recebermos o filme solo da heroína Marvel, quase como uma história à parte.
No longa apresentado em 2021, vemos uma história paralela da personagem, no intervalo dos eventos de “Capitão América: Guerra Civil” (2016), quando a personagem sai de cena para não ser capturada como alguém contra o “Acordo de Sokovia”. Longe dos Vingadores, Natasha encara uma segunda perseguição iniciada pelos seus antigos “mestres”, atrás das Viúvas-Negra desertoras. Nesse cenário, Natasha se vê obrigada a reencontrar sua irmã Yelena (Florence Pugh, de “Midsommar”) e unir-se contra pra derrubar dois inimigos: A Sala Vermelha, que segue criando novas assassinas, e seu passado traumático com sua “família”: Alexei, o Estrela Vermelha (David Harbour, de ‘Stranger Things’) e Melina, a Dama de Ferro (Rachel Weisz, de “A Favorita”).
Ação bem pontuada
A primeira coisa a se dizer sobre o filme é que ele tem cenas de ação bem dirigidas. Cate Shortland (“Lore”) comandou cenas de luta de boa qualidade no filme, com um primor até acima da média dos filmes da Marvel. Todas as lutas, sejam envolvendo Natasha ou Yelena (ou entre as duas? 🙂 ) demonstram realmente que elas são mulheres treinadas pra matar e profissionais no que fazem.
As coreografias envolvendo o Treinador/Taskmaster tem um carinho envolvido. Onde o carinho vai embora fica para os efeitos especiais em algumas cenas pontuais do filme, que trabalha bem na maior parte do tempo mas “larga mão” no terceiro arco estranho, justamente na cena de ação. É o mesmo pecado de tratamento que a Marvel já havia deixado passar antes em “Pantera Negra” (2018), que é 90 % do tempo lindo e bem escrito, mas tem cara que “deixa assim” no VFX.
Roteiro padrão Marvel. Pro bom e pro ruim
A história do filme tem assinatura de Eric Pearson, que escreveu “Godzilla vs. Kong” (2021) e a série “Agente Carter” (2015). Pra “Viúva Negra”, ele trouxe um amálgama de bom trabalho com personagens femininas e um mini plot-twist sobre os vilões de verdade, bem apresentadas aqui. Só que a fórmula Marvel ainda tem um peso forte no filme quando força a criar uma “apresentação” de personagem pra história, voltando no passado.
Pra compor o tema da família desajustada, o filme inicia com uma cena em 1995, com Ever Anderson (de Resident Evil) e Violet McGraw (“A maldição da Casa Hill”) interpretando as pequenas Natasha e Yelena sendo cuidadas pelos pais. SÓ QUE esse artifício é o mesmo de outros filmes do MCU como “Homem-Formiga” (2015) e “Pantera Negra” (2018). Pode soar como uma assinatura, mas corre também o risco de ficar repetitivo, por sempre ser a estratégia em filmes solo do estúdio. E como comentamos no podcast CeS #95, nem sempre importa saber o passado do personagem; pelo menos não para personagens já estabelecidos.
A pergunta: Por quê demorou tanto?
“Viúva Negra” tem realmente uma qualidade alta no trabalho, e entregou o filme que os fãs queriam. Infelizmente, não quando os fãs queriam. E aí perdeu o bonde da história.
O filme é todo muito bem trabalhado, e caberia fácil no lugar de outras obras do MCU que tiveram mais oportunidade entregando bem menos que ela, como “Thor: Mundo Sombrio” (2013) e “Homem-Formiga e Vespa” (2018), filmes que serviram de ligação para o que vinha depois (e inclusive foram revisitados pela franquia!), mas que não trazem aquela disposição em assistir de novo aos fãs. “Viúva Negra” tem, traz essa vontade. É fácil assistir como fã de quadrinho ou como escapismo quando passar na TV aberta.
O problema é a oportunidade perdida de marcar a principal vingadora na história. O longa caberia nesse universo lá no 2016 onde foi ambientado. Mas a escolha teimosa de só atender o apelo dos fãs mais de 10 anos depois entregou um filme quase que natimorto, com uma pequena ligação no pós-créditos com o futuro da franquia enquanto merecia mais que só ser bom isoladamente para os fãs, mas importante para todo o arco em si.
O próprio desenrolar da trama em si poderia ter casado com mais eventos Marvel que se propôs a fazer. Quando se revela o vilão Dreykov (Ray Winstone, de “Beowulf”) e seu plano, caberia facilmente ali uma das jóias do infinito, e nem para agora, mas nesse contexto de 5 anos atrás (veja que alguns filmes da Marvel só resistem hoje por ter uma delas, mas são passíveis). Levar esse tempo todo pra entregar o filme perdeu de dar à sua principal personagem uma importância histórica que agora se perde, justamente porque já começamos o filme sabendo que ele está no passado. É o grande problema de um filme retroativo: Você não tem sensação de perigo, porque sabe que aquela história faz parte de um universo já resolvido. Só não se alimenta mais essa sensação pela cena pós-créditos envolvendo a Yelena de Pugh.
Entre tudo, um bom filme
A sensação de “por quê não fizeram antes?” é a chateação com “Viúva Negra”. Mas pensando nele isoladamente, a Marvel conseguiu de novo uma boa obra, com a ação, com a ponderação e qualidade esperada. Ainda que atrasado em seu objetivo, o longa não decepciona o que os fãs desejavam: A principal vingadora em uma trama digna dela, colocando o potencial de Scarlett Johansson à prova e uma passagem de bastão bem-feita com Florence Pugh.