Resenha: Devorar
Uma obra cinematográfica tem diversas maneiras de dialogar com o mundo em que vivemos, muitas vezes esse diálogo aparece de forma sutil com uma cena ou uma fala. Em outros momentos é bem mais explícito, como um enredo bem amarrado onde o ponto central são discussões que estão em voga na nossa sociedade. O filme “Devorar” consegue fazer as duas coisas.
No filme ao mesmo tempo em que o foco da trama é a discussão e o controle da mulher sobre seu corpo, temos diversas outras discussões como relacionamento abusivo e meritocracia.
O que vemos é a história sobre uma mulher, Hunter (Haley Bennet), que é recém casada e descobre que está grávida, esperando um filho de Richie (Austin Stowell). Durante a gravidez Hunter acaba sentindo a necessidade de engolir objetos dos mais variados, desde agulhas até pilhas, o que acaba colocando a sua vida e a de seu filho em risco. Para proteger o bebê, Richie decide contratar um enfermeiro para cuidar e, principalmente, vigiar Hunter e evitar que ela venha a se alimentar de objetos perigosos.
A dinâmica de uma relação abusiva é explorada desde as primeiras cenas, com nítidas agressões psicológicas e de silenciamento de Hunter não só pelo seu marido mas também por toda a família dele. É interessante como é feita a discussão do poder da mulher sobre seu próprio corpo. Aqui é representado na ação da mulher poder ingerir tudo aquilo que ela desejar.
O diretor Carlo Mirabella-Davis faz um trabalho preciso e te mostra a correlação durante todo o filme da ação de ingerir esses objetos enquanto Hunter tenta controlar seu próprio corpo. Vemos que em diversos momentos a personagem não se sente dona de si mesma, principalmente por conta das ações de seu marido, e que isso é momentaneamente resolvido por ela quando come algo, é nítido no filme a satisfação dela por esse ato.
Existe também dentro do filme uma pequena discussão sobre a meritocracia, e de como isso não é possível dentro de uma sociedade estruturalmente desigual. Logo no início vemos a comemoração de Richie por virar diretor na empresa de seu pai, nesse momento existe falas sobre o merecimento dele, de conseguir por mérito próprio subir na empresa de seu pai. Como também é merecimento dele ganhar uma casa de seus pais. Não é algo que o filme pretende abordar, mas está ali e chama a atenção.
É claro para mim e é importante dizer que o filme talvez acione gatilhos por conta da temática e das relações expostas na tela. “Devorar” é um ótimo filme que consegue trazer discussões extremamente necessárias para os dias de hoje.
Para terminar deixo aqui o texto do Rodolfo Stancki em sua coluna no site A Escotilha onde ele traça uma discussão do filme com o isolamento social que estamos vivendo.