Marighella: Um filme e uma provocação crítica

Marighella: Um filme e uma provocação crítica

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Carlos Marighella, baiano, revolucionário, comunista. Repito: Marighella foi um militante comunista e que foi assassinado na ditadura militar brasileira. Frisei o “comunista” por um motivo e vou voltar a isso mais tarde. “Marighella” foi dirigido por Wagner Moura e chegou ao Brasil depois de muita polêmica e muita luta de seus realizadores. 

Um pouco de história

No dia 01 de abril de 1964 o Brasil sofreu um golpe civil-militar e passou anos vivendo em um regime ditatorial que caçou, torturou e matou diversas pessoas que ousaram lutar contra o regime instaurado. 

Em termos geopolíticos é importante destacar a presença estadunidense na ditadura militar, não só na que ocorreu no Brasil, mas em todos os outros países da América Latina. Vale lembrar que isso aconteceu por conta do medo dos Estados Unidos de outros países da América do Sul seguirem o exemplo de Cuba e fizessem também uma revolução socialista.

Depois da consolidação do golpe, muitos grupos se organizaram para lutar contra o regime militar, um deles foi a Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização da qual Carlos Marighella fazia parte. Organização essa que fez a famosa ação de divulgação nas rádios e que também está presente na música “Mil Faces de Um Homem Lealdos Racionais MCs

O filme e o problema ideológico

“Marighella” teve todo um problema para chegar aos cinemas brasileiros. Entendemos que isso aconteceu principalmente por ele ser o extremo oposto do que defende o atual presidente da nação. O fato do filme existir é por si só uma vitória e a questão dele ter enfrentado tantos problemas para chegar até o público chega até a ser representativo. É basicamente um filme sobre um guerrilheiro que teve que praticamente enfrentar uma enorme luta ideológica para chegar ao público, tal como Marighella, que lutou contra a censura que estava presente na imprensa brasileira. 

Vemos uma parte da história de Marighella (interpretado por Seu Jorge) desde que decidiu entrar na luta armada contra a ditadura militar.  Passamos pelas primeiras ações do grupo para conseguir armas e vamos até a emboscada que resultou na morte do combatente revolucionário. 

O grande problema do filme, a meu ver, está no fato de que não tem nenhuma menção ao fato de Carlos Marighella ser um comunista, algo extremamente importante para a história da pessoa que o filme está representando. Está ali nas entrelinhas, com algumas falas sobre Cuba e Vietnã, mas nada concreto. Inclusive, o filme tenta mostrar que quando Marighella rompe com o Partido Comunista Brasileiro ele também rompe com o comunismo em geral, quando não foi bem assim. Confesso que até me causou uma certa estranheza o filme sobre um revolucionário comunista com tantas menções ao patriotismo que, pra ser sincero, não parece fazer sentido dentro da história daqueles personagens históricos que estamos vendo. 

Por outro lado, entendo que Wagner Moura quis passar a sua visão e o seu amor pelo país em que vive. Mesmo que uma parte e os representantes desse país tenham dificultado a existência da sua obra. Só não sei se ele conseguiu transmitir isso de forma convincente e natural para os personagens que ele representou ali. 

Em termos de forma e esquecendo um pouco o conteúdo, preciso destacar a ótima direção de Moura, principalmente em relação a como ele dirigiu todos os atores. Todos eles, sem exceção, estão ótimos. E apesar do filme ser longo – cerca de 2 horas e 30 minutos – ele consegue te contar uma história envolvente ao ponto de você nem ver a hora passar. Talvez isso aconteça realmente pelo ótimo elenco que o filme tem, que conta, além de Seu Jorge, o pastor Henrique Vieira, Humberto Carrão (da novela “Amor de Mãe”) e Bruno Gagliasso (“Mato sem Cachorro”). 

Seu Jorge e Wagner Moura

Uma pequena provocação crítica 

Para encerrar vou jogar aqui uma provação aos meus colegas críticos e criadores de conteúdo: adianta gritarmos nas redes sociais que é importante defender a cultura nacional e, na hora de escolher um filme para escrever ou comentar, escolhermos aquele que faz parte de um grande conglomerado? Aquele que lota praticamente 100% de todas as salas de cinema e ignorando as produções nacionais? 

Vou citar aqui – e quem já acompanha meu trabalho na crítica já deve estar cansado de me ver citando isso – a famosa frase de André Bazin, “A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o leem, o impacto da obra de arte”. Se a função do crítico é prolongar a experiência, ela é também prolongar a existência do filme. Escolher prolongar a existência de um filme nacional, da nossa própria cultura é uma escolha que a crítica brasileira, a meu ver, claro, tem que fazer. Falar, escrever e discutir um filme nacional também é defender a cultura nacional. 

Não estou dizendo que nós enquanto críticos temos que ignorar a existência de filmes estadunidenses, mas sim dar uma maior atenção para as nossas produções. 

A crítica e todas as derivações na produção de conteúdo é uma forma de colocar em prática o discurso de defesa do cinema e da cultura nacional. Precisamos seguir isso.

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