Resenha: Men
Men, novo filme de Alex Garland, finalmente chegou ao mercado brasileiro após estrear em Cannes, no mês de maio. O diretor e roteirista conquistou uma certa reputação após dirigir EX_Machina: Instinto Artificial e Aniquilação. Também escreveu alguns hits como o clássico de zumbis do diretor Danny Boyle: Extermínio, o filme de ação: Dredd: O Juíz do Apocalipse de Pete Travis.
Garland escreveu até mesmo jogos de videogame como Enslaved: Odyssey to the West com participação de Andy Serkis, e o polêmico reboot DMC: Devil May Cry, da franquia Devil May Cry que causou um certo alvoroço entre os fãs por conta da nova aparência do protagonista Dante.
Portanto, com um currículo desses, um novo lançamento do realizador causa certa expectativa sobre o que podemos esperar, e se há uma coisa certa nos filmes em que ele dirige, é que eles terão tramas complicadas, talvez existencialistas e bastante alegóricas.
Em Men isso não é diferente, mas primeiro, vamos fazer uma breve contextualização e sinopse. O filme segue a protagonista Harper, interpretada por Jessie Buckley, que ao alugar uma casa de campo, procura recuperar-se de um trauma envolvendo seu antigo relacionamento, onde seu ex-marido acabou cometendo suicídio.
O filme é um terror de atmosfera, antes de seus minutos finais, Garland propõe sequências a fim de deixar o espectador desconfortável, e ele faz isso com jogo entre atores, e como o próprio nome já diz, quem é responsável por criar esse desconforto são personagens homens, interpretados pelo mesmo ator, Rory Kinnear.
Começando com o senhorio da casa, uma figura peculiar, mas com uma personalidade bem característica, ele demonstra não saber lidar com uma mulher, e o ator mostra isso através do gestual, ele treme, sua e faz piadas sem graça na presença de Harper, sobre ela comer a maçã do jardim da frente, piadas de caça e etc. Mesmo não mostrando ser uma figura hostil, a forma como ele age causa medo, muito pelo modo como ele se porta diante de uma mulher aliado ao fato de que Harper estará sozinha naquela casa nos próximos minutos de filme, então sentimos medo por ela e com ela.
Enquanto essa atmosfera de terror é construída através do desconforto e pelo medo que os homens causam na protagonista, o filme também é composto por momentos de silêncio que ajudam a construir a narrativa da cura do trauma, objetivo pelo qual a personagem está na casa de campo, como por exemplo quando ela toca piano, trabalha, caminha pela floresta com uma fotografia linda e faz chamadas de vídeo com a amiga, Riley.
É bom que o filme tenha estes “silêncios”, pois eles ajudam a narrativa a ter seu próprio tempo e a personagem possui seu desenvolvimento até o ato final, nestes momentos é onde o diretor aproveita para explorar um pouco mais seu passado e nos contextualizar sobre o trauma de Harper.
Os demais encontros que Harper tem com outros homens também são traumáticos, um homem nu na floresta a persegue e invade sua casa em outro momento, outro, que apesar de mais velho possui características de criança, abusa verbalmente da personagem quando ela se recusa a brincar com ele, o policial da cidade negligencia o problema dela com o homem nu que invade sua propriedade. E por fim, também temos a figura de um padre, que além de se mostrar bastante invasivo em relação ao corpo dela, a culpa pelo suicídio do ex-marido.
A sequência final do filme é um calcanhar de Aquiles, pois toda a atmosfera de tensão é substituída por uma sequência bastante alegórica de construções imagéticas gráficas. Ela propõe um horror mais visual do que os dois primeiros atos do filme e também confusa, o que pode ser efetivo com alguns espectadores, porém cansativo e até de difícil compreensão para outros.
O excesso é o que preocupa na sequência final, que é exageradamente longa, pois o diretor propõe através dessas alegorias no plano diversas discussões sobre misoginia, com citações à textos clássicos, diálogos entre ela e cada homem que a ofendeu de alguma forma, referências à Adão e Eva, história da arte e até mesmo partos consecutivos em que o abusador gera ele mesmo, entretanto, ele coloca o filme em uma posição de esvaziamento de potência fílmica por causa desta saturação.
Men tem uma proposta, não muito diferente dos filmes anteriores de Garland como diretor, a atmosfera e trabalho de direção de atores compõem um clima muito desagradável de horror, e coloca o espectador em uma posição desfavorável, ao vivenciar os diversos horrores que uma mulher pode ser submetida por um homem, seja por agressões verbais, psicológicas ou físicas.
Esta é uma potencialidade da arte, ser política e discutir assuntos que, infelizmente, ainda são atuais, além de tirar o espectador, no caso desse filme os espectadores homens, de sua posição de privilégio, ao nos colocar no ponto de vista de Harper, e refletirem sobre misoginia e como um homem na sociedade, ainda extremamente machista que vivemos, pode tornar um ambiente desagradável e hostil para uma mulher.
Entretanto, é bom lembrar que o filme é escrito e dirigido por um homem, portanto, a discussão não alcança sua potência máxima, sendo resumida em uma série de imagens alegóricas, excessivas, que podem denotar até uma posição presunçosa.
Portanto, Men culmina em mais um filme que denuncia uma postura prepotente do diretor, que ao pender para o exagero de aliterações na representação de metáforas, aceita um risco de esvaziar a trama e a obra, com o objetivo de alcançar uma posição de prestígio artístico, entretanto falha no básico, pois não consegue se comunicar com o público.