Resenha: Spencer
Conhece a frase: “Você só precisa de um dia ruim”. UM dia. Agora, imagine uma vida toda de privações, regras, cabrestos, onde você precisa se conter só por mais um final de semana?
Em “Spencer” somos convidados a passar três dias com Diana. Não a Lady Di, aquela bela mulher que encantava o mundo com simpatia e imagens nos jornais. Mas com Diana Spencer, a pessoa cansada de viver de aparências, esgotada mentalmente pelas pressões de manter aparências e conter seus próprios impulsos. No filme de Pablo Larraín, vemos Kristen Stewart como a princesa em um feriado de Natal com a realeza. Triste e angustiada, ela se encontra numa batalha mental, com ela mesma, lutando para não destruir quem ela é.
Tecnicamente bonito
“Spencer” é bem-feito em sua técnica. A direção tira o máximo que pode de Kristen Stewart, e o trabalho de caracterização foi incrível; As câmeras e fotografia de Claire Mathon (também de “Retrato de uma Garota em Chamas”) trabalha pra mostrar a natureza morta dos sentimentos na nobreza; O roteiro do criador de Peaky Blinders, Steven Knight, monta uma história praticamente tirada de um livro de romance, como o próprio filme se intitula no seu início: Uma “fábula baseada em um drama real”. Todos os apetrechos técnicos atuam pra moldar uma história moldada na angústia, e assim o filme é até seu final: Ele quer te fazer sentir quão sufocada Diana estava naquele ambiente, e consegue linda e tristemente, mesmo no único momento em que o filme nos passa uma ponta de esperança e respiro.
O diretor Pablo Larraín, que já está habituado a contar histórias de mulheres poderosas – é dele o drama “Jackie”, com Natalie Portman como Jackeline Kennedy – agora traz em “Spencer” como tudo é nada visto de dentro. A princesa que todos amavam publicamente está ali, no que deveria ser um final de ano com a família, mas trancada dentro dos protocolos que não a permitem ser nem mãe, nem mulher, nem pessoa: A direção e técnica do filme faz o trabalho de colocar Kristen Stewart como uma mulher em correntes, quase à beira da loucura, mas que em nenhum momento é tratada como alguém que precisa de ajuda, pelo contrário.
Elenco que podia mais
Apesar de ter um elenco estrelado – Timothy Spall (“Sweeney Todd”), Sean Harris (“Missão Impossível”), Sally Hawkins (“Blue Jasmine”)… – o filme parece se apoiar inteiro na técnica pra entregar a emoção que precisa. Kristen Stewart se esforça na maior parte do tempo, mas são as câmeras e a direção quem mais ajudam na representação da Diana que o diretor quer imprimir na tela. O papel de Sally Hawkins, como a única serva em quem Diana confia, é discreto como a fleuma britânica obriga a ser, mas também não tem nuances.
Mas o pecado do filme em potencial desperdição fica com Sean Harris. Nem pela atuação do ator, mas por ser um núcleo alheio ao restante do filme. Ele, o chef da realeza, tem uma atuação toda paralela aos acontecimentos da protagonista e coadjuvantes; À exceção de uma única sequência, onde o chefe interage com a princesa, todo resto do filme tem o núcleo de Harris correndo “ao lado” dos acontecimentos daquele Natal, sem ligação explícita com a história. Soa como um corte para o leigo, um “enquanto isso”, que não interfere na trama, nem pro bem nem pro mal. E talvez este seja o pecado: A falta de um propósito maior para todo aquele núcleo da cozinha.
O destaque, em compensação fica para Elizabeth Berrington (de “Ultima noite em Soho”). Berrington aparece em flashes como Ana Bolena, a rainha inglesa do século XVI que foi acusada de traição, incesto e levada à execução por seu marido, Henrique VIII. O que a figura dela faz no filme de Diana, que morreu em 1997? Em “Spencer“, a princesa tem visões de Ana Bolena, com quem se identifica. São as aparições de Berrington no filme que dão um tom até de terror no filme e ajudam o espectador a se aprofundar no que se passa dentro do coração da angustiada Lady Di do filme.
Uma mensagem transmitida
“Spencer” não vem a ser impecável, mas transmite o que o diretor se propõe a passar: Uma história comovente, que tem em seus momentos contemplativos o trunfo pra emocionar como deseja fazer e faz. Se por um lado, Kristen Stewart está no limite da atuação como Diana, Larraín, Mathon e Knight estão soltos pra fazer o que desejam: comprar o desafio de fazer um filme que convida a audiência a ter empatia à uma mulher famosa. Nós, audiência, que em maioria está longe da fama e dos jornais, somos convidados a se colocar na pele de uma princesa real, cuja obsessão parasitária dos outros por ela a consumiu a ponto te tirar sua vida em Agosto de 1997. Mas antes disso, ela foi Diana, uma mulher que precisou de três dias pra lidar com seus demônios.