Vamos falar sobre O Massacre da Serra Elétrica (2022)?
Na semana passada a Netflix lançou mais um filme da franquia “O Massacre da Serra Elétrica”, iniciada em 1974 pelo clássico de Tobe Hooper, em seu catálogo. O original se tornou um clássico por diversos motivos, seja pela sua forma indigesta de expor a sociedade estadunidense da época, por ter como inspiração um assassino real – Ed Gein -, pela violência cruel a qual os personagens principais são submetidos, pelo assassino Leatherface. Enfim, dá para fazer uma lista com infinitos itens de porquê o filme de 1974 se tornou um clássico e até hoje é um dos melhores filmes de terror da história.
Como uma grande parte dos filmes de terror que faz sucesso, “O Massacre da Serra Elétrica” também se tornou uma franquia com altos e baixos. Alguns defendem o remake de 2003, outros o segundo título, de 1986, também dirigido por Tobe Hooper. Ou seja, é uma série de filmes rentável, por isso não faz sentido deixar de fazer mais títulos da obra. Por mais que alguns fãs peçam isso, não é comercialmente viável, nem mesmo culturalmente, pois apesar dos (muitos) baixos como o filme Leatherface (2017), ainda é uma franquia que tem muito a oferecer ao cinema, justamente por sua forma crua e indigesta de ver o mundo e expor essas fraquezas da sociedade desta forma.
Também temos um fato muito importante que deve ser lembrado: fãs são consumidores da obra e não proprietários. Por isso, a não ser que sejam chamados para criar algo da franquia, não é do controle dos fãs o que vai acontecer ou não com a série. E que bom, pois temos Star Wars Episódio IX para mostrar que ouvir os fãs clássicos de uma franquia nunca é um bom caminho.
Bom, vamos ao filme de 2022 e a pergunta que deve ser feita, por isso fiz essa introdução sobre o papel do fã com as obras: Ele merece todo esse ódio que está recebendo?
O Retorno de Leatherface na Netflix, merece tanto ódio ?
A minha resposta é não. De fato, essa nova versão de 2022 é falha, bastante falha, em alguns aspectos. Contudo não ofende e, sim, diverte como ela pode. Não houve aqui uma promessa de trazer um novo clássico ao mundo, talvez nem seja possível alcançar o patamar do primeiro, e nem seja necessário. Rever Leatherface, no final das contas, é sempre um prazer para quem gosta muito dessa franquia e a versão de 2022 entrega justamente isso. Um Leatherface implacável e com muita sede de sangue, e tudo sobre este filme que gira ao redor da violência e das mortes, funciona. Elas são bem pensadas e possuem um gore satisfatório, não-naturalista e exagerado, sendo coerente com a proposta deste novo filme, que é muito menos sutil que o original.
É um filme muito visual, e no visual ele acerta. A fotografia é um dos pontos mais altos, com destaque para a sequência no campo de girassóis mortos, que é realmente muito bonita, de uma forma muito desconfortável. Justamente o que se espera de um filme do gênero.
No filme, as irmãs Melody e Lila, estão se mudando para uma cidade no interior do Texas, Harlow, com outros jovens idealistas, que pretendem transformar o local em uma cidade dos sonhos. E assim, eles acabam entrando no caminho de Leatherface, que estava desaparecido por mais ou menos uns 50 anos. No longa também há o retorno de Sally, a final girl do filme original, que está caçando Leatherface para se vingar do que ele fez aos seus amigos no passado.
Se o filme acerta no visual, na violência e até mesmo nas protagonistas (é possível torcer por elas), o roteiro e suas as escolhas narrativas são seu calcanhar de Aquiles, e não há como negar. Trazer Sally de volta pode parecer uma boa ideia, porém, foi realizada de forma muito equivocada aqui, diferente de Halloween (2018) onde Mike e Laurie são pilares da narrativa. Aqui Sally sobra e é pouco explorada, quase que esquecida, em boa parte do filme, servindo apenas como uma alavanca para a narrativa continuar em determinado momento, o que torna questionável seu retorno.
O que, talvez, demonstre um desespero em apelar para uma intertextualidade que o cinema moderno gosta muito de usar como muleta. A presença de Sally até tira um pouco o foco das duas protagonistas, que até o momento conseguiram manter a narrativa nos trilhos, e faz o filme ser um pouco mutilado em manter o foco, se me perdoarem pelo trocadilho.
Assim como o original, ele tenta fazer algumas críticas à sociedade moderna como a gentrificação e ao imediatismo do jovem rico, imediatismo esse que é o principal motivador da violência de Leatherface. Que, nos primeiros minutos de filme, parecia ter se aposentado, mas não aconteceu.
Gentrificação é basicamente o remodelamento urbano, quando áreas periféricas passam por um processo de modificação e tornam-se lugares nobres ou comerciais. É um tema já debatido há algum tempo no cinema, está presente em filmes como Aquarius (2016) do diretor Kléber Mendonça Filho, também no filme da Disney, Up! Altas Aventuras (2009) do diretor Pete Docter e claro em outros exemplares do gênero como Candyman (1992) de Bernard Rose – que ganhou um novo título em 2021 pela diretora Nia DaCosta. Em O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface o objetivo dos jovens que chegam à Harlow é transformar aquela cidade fantasma e esquecida no Texas em um local comercial, comandado, ao que parece ser, por influenciadores digitais, como por exemplo, Melody e Dante são chefs famosos no instagram e etc.
O imediatismo que citei aparece justamente na forma como Dante, um dos líderes da empreitada, lida com a situação, ele parece a todo momento preocupado com a imagem do lugar e a sua própria. A ponto de ser predatória a forma como ele age ao expulsar uma senhora de uma das casas, mesmo com ela afirmando que havia pagado as dívidas e tinha a escritura para provar. A forma violenta na qual o personagem age, leva a morte da senhora, que serve de gatilho para toda a violência que ocorrerá a seguir.
Então, neste título Leatherface assume outro papel, que não o do assassino canibal com a função de trazer vítimas para a sua família de sádicos, aqui ele se torna uma força da natureza com o objetivo de impedir a gentrificação de Harlow e a sua modernização. Leatherface fica com o cargo de manter o status quo do local, e pode ser visto até como uma vítima das consequências deste processo predatório e não planejado da modernidade invadindo espaços bucólicos (neste caso bucólico e aterrorizante) encabeçado por jovens ricos e imprudentes, que estão prezando apenas pela exploração comercial, e não para benefícios sociais que as reformas podem trazer para a região.
Ressalto o termo força da natureza para Leatherface, pois, em uma das sequências, um dos futuros moradores aponta o celular para o assassino e o ameaça de ser “cancelado” caso faça alguma coisa, entretanto, Leatherface não é uma figura a ser cancelada, pois, ele vai além do humano, e seus atos não resultam consequências, já que ele, assim como um terremoto ou um tsunami, não responde judicialmente e socialmente por eles.
Porém, toda essa crítica é superficial assim como a superficialidade que ele procura contestar e expor da geração atual, e a gentrificação fica apenas limitada como um dos temas que impulsionam a violência, mas nada mais que isso. Por isso, fica muito raso, apesar da tentativa, e quem estiver atento vai notar sobre o que o filme está querendo dizer e, se fosse melhor desenvolvido, talvez deixaria o longa mais completo.
Concluindo, “O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface” (2022) não é um filme bom e nem ruim. Ele passa de ano, pois diverte, e claramente não merece o ódio que está recebendo de alguns fãs, pois ele não é nem tão importante assim para a franquia para ter tanta atenção. É apenas mais um filme e eu devo dizer que as horas com o Leatherface podem ser muito proveitosas se o entretenimento não for levado tão a sério (beijo para o Alex de Carvalho, podcaster e coach deste site).
Particularmente, faria diferente, mas como disse anteriormente, sou apenas um fã da franquia, e é claro que gostaria de ver um novo título tão impactante e importante quanto o original. Mas ele está lá e sempre vai estar. Se algum dia eu me tornar proprietário, faço algo do jeito que eu queria. Aliás, Netflix, vocês tem meu contato, podem me chamar.
Devo deixar aqui a minha insatisfação que enquanto Halloween, Massacre da Serra Elétrica e Pânico estão dando o ar da graça ultimamente, gostaria de perguntar e questionar: Onde estão Jason e Freddy???
Já passou da hora de voltarem, né.