Pantera Negra – Quando um filme vira espetáculo
É impossível não pensar que depois de dez anos de filmes de heróis, já entramos na sala de cinema mais pelo amor ao gênero do que pela expectativa alimentada. Então, que grata surpresa quando somos surpreendidos. E a Marvel fez de “Pantera Negra” seu exemplo, quando depois de dezoito filmes muda as regras do jogo e leva aos cinemas um espetacular filme de ação e drama, encaixado no universo contemporâneo do espectador como poucos o fizeram.
Neste filme, conhecemos a mitológica terra de Wakanda, localizada no meio da África e escondida pela tecnologia avançadíssima, em decorrência do contato com um metal de fora da Terra, o Vibranium. E esta Wakanda entra agora no início do reinado do T’Challa (Chadwick Boseman, de “James Brown”), filho do rei T’Chaka, morto em “Capitão América: Guerra Civil”. Ele precisará conciliar suas obrigações de líder, sua missão de proteger seu país como o Pantera Negra, as heranças culturais de seu povo, e por fim, com o que ele próprio pensa sobre governo. E no meio desta jornada é que surgem os antagonistas: O traficante de vibranium Ulysses Klaue (Andy Serkis, de “Planeta dos Macacos”) e o ex-combatente do exército Erik Killmonger (Michael B. Jordan, de “Creed – Nascido Para Lutar”).
De acompanhar com a pipoca e o jornal de hoje
Com seu principal ponto bem definido, começam as razões pelas quais “Pantera Negra” tem sido bem-recebido pela crítica: ele é, com quilômetros de vantagem para a maioria, o filme da Marvel com o roteiro mais bem-escrito. Ao longo de suas 2h14mins, a obra tem tempo para contar tudo que precisa. Depois de apresentar as motivações dos principais personagens, a história se mostra cirurgicamente politizada.
“Pantera Negra” não é um filme de herói alienado, em certos momentos, é como abrir um noticiário e se ver tudo o que temos hoje na TV: Imigrantes à Europa, política armamentista, intervenções na soberania de países, empoderamento feminino, pontes e muros. Entendam como quiser. Tudo isso sem intenção de tomar partido, mas sim de “por à mesa”, de maneira direta e eficaz. Na maioria dos casos, aliás, são apontamentos de uma frase ou cena que fazem a beleza do tema.
Passando pela ficção científica e pelos diálogos de filho com seu pai (John Kani, de “A Sombra e a Escuridão), o filme tem frases fortes e bem pontuadas, funcionam bem. Este não é um filme de um ator só. Cada construção de cena forte tem muito mais a ver com o timing do que necessariamente um homem ou mulher. Por exemplo: é fácil lembrar das ações do Homem de Ferro de Robert Downey Jr, do impacto do Hulk de Mark Ruffalo ou as trapaças do Loki de Tom Hiddleston, nesses filmes os atores/personagens são portadores das cenas marcantes. Já em “Pantera Negra” isso não acontece com UM único ator, porque as cenas e frases são importantes por si só e a emoção que elas causam tem um discurso muito palpável e tenro de se abraçar. Aí sim, os momentos são engrandecidos pelo mérito dos grandes atores que estão ali.
Um elenco dos sonhos
É maravilhoso ver um filme de um personagem ficcional que se preocupa em fazer seus apontamentos de maneira tão bem apresentada. Este talvez seja o maior mérito de Ryan Cooler, que dirigiu e escreveu a história do longa.
E há muito de se louvar o renomado elenco que Cooler reuniu em torno desta história. São 9 indicações à Globo de Ouro e Oscar no cast. É verdade que tem virado tendência atrizes e atores “Oscarizados” nas produções do gênero, mas aqui é como um dream-team escalado: Forest Whitaker (“Rogue One”), Daniel Kaluuya (“Corra!”), Lupita Nyong’O (“A Rainha de Katwe”), Martin Freeman (“O Senhor dos Anéis”), Sterling K. Brown (de “American Crime History”), Angela Basset (“Tina”) e Danai Gurira (a Michonne de “The Walking Dead”) são emocionantes em seus personagens, cada um com sua contribuição para o caráter do Rei/Herói de Chadwick Boseman. E muito há de se aplaudir na atuação de Michael B. Jordan como o vilão Killmonger, um dos mais complexos e bem-criados vilões do universo de heróis. Está fácil colocá-lo num top 3 desta categoria.
Dos atores e atrizes mais novos a apresentar, precisamos destacar Letitia Wright, a princesa Shuri de Wakanda. Divertida e genial, ela também é a quartel-mestre do rei, de uma maneira dificilmente vista no estilo de personagem. A atriz de 25 anos estará também em ‘Jogador No 1’.
Efeitos Especiais controversos
Se por um lado, toda a história é fascinante, por outro pecados foram cometidos: os efeitos especiais têm seus altos e baixos. Quando mostra Wakanda e os momentos religiosos de T’Challa, é de se elogiar pela beleza. Porém, em cenas como as da cerimônia de coroação do rei, a imagem que vemos causa certa estranheza. Essa montanha-russa que se tornou o CGI do filme tira um pouco do brilho do todo do filme, que foi certamente revisada desde o primeiro trailer, mas que parece ter sido esquecido em outros.
Fora isso, o figurino colorido e as formações tribais fazem um lindo espetáculo aos olhos, de maneira bem mais orgânica que em outros casos do estúdio. Um outro acerto foi a utilização de uma língua própria, de característica tribal, que acompanha as conversas dos personagens em alguns momentos.
De se aplaudir de pé
Pantera Negra é isso: bem-posicionado no seu tempo, emocionante em sua proposta e uma raridade em história bem-escrita. É um filme que respira para além dos quadrinhos, se integra ao seu tempo e que não quer somente ser um caça-níquei em merchandising… Em suma: É a Marvel que volta às raízes e mostra o que fez dela um diferencial nos anos 60 e 70, por vezes, literalmente 🙂
Este é um filme que pensa. Ryan Cooler fez o filme com sua assinatura, e todos os envolvidos trouxeram uma contribuição ímpar. O herói que Chadwick Boseman traz deixa o filme com uma cara de muito mais do que um filme de herói, mais um vigilante. Diz também de homens e mulheres que fazem sua parte todo dia.
Wakanda pra sempre. Pantera Negra e seus ideais também 🙂