A Netflix conseguiu de novo colocar na praça um filme discutido nas redes: Em “Não Olhe Pra Cima” (Don’t Look Up) na batuta de Adam McKay, vemos um paralelo do que seria uma sociedade negacionista – com um cometa vindo em direção à Terra, prestes à nos levar ao fim da “aventura humana na Terra”, como diz a música.
A ideia é boa, e o paralelo é rapidamente entendido por nós: É só trocar “cometa” por “vírus” que podemos entender a relação de absurdos que o filme faz. MAS, a crítica de Mckay é tão certeira que pode soar só “OK” para muitos de nós, brasileiros, que já vivemos numa distopia maluca, de absurdos e absurdos diários de negação da realidade.
Como no Brasil, todo dia é dia de um novo absurdo, o que deveria ser ironia nem nos atinge mais tão facilmente. Foi com isto em mente que pesquisei mais três obras distópicas que ainda nos servem como ironia, pensamento crítico e choque – um pouquinho mais longe do que o filme de 2021, que está longe de ser ruim, mas que para os padrões de notícia do brasileiro, nem parece tão sarcasmo assim.
Com o título original de “Soylent Green“, o longa de 1973 combina um romance policial com ficção científica pra contar uma descoberta terrível. No filme (levemente baseado num livro de Harry Harrisson), a cidade de Nova York no distante 2022 está hiperpopulada, e o acesso à comida foi restrito aos ricos: Carnes, frutas, legumes, somente os endinheirados tem acesso a comida de verdade.
Os pobres se alimentam de um tablete verde chamado Soylent Green, produzido com algas. Até que o detetive vivido por Charlton Heston (de “Planeta dos Macacos” e “Os Dez Mandamentos”) precisa investigar um crime que traz revelações não somente sobre o rico morto mas também sobre o próprio “alimento” dos pobres.
Disponível na Apple TV.
Um país totalitarista, com imposto pra tudo, burocracia absurda mas sempre envolto à grandes festas da elite. Este é o mundo de Brazil (que qualquer semelhança com um certo país aí é mera coincidência).
Apesar do nome do filme e a data (lançado em 1985, final da ditadura brasileira), o filme não é um paralelo direto ao nosso país. Dirigido por Terry Gilliam (de “Teorema Zero” e dos filmes Monthy Python), o nome veio pelo simples fato de que, enquanto lia o roteiro do filme, ouvia “Aquarela do Brasil” e, de certa forma, aquilo deixava sua percepção daquele mundo mais leve.
O filme traz um jovem Jonathan Pryce (de “Dois Papas”) como uma pessoa alheia à política que nesse mundo de “Brazil” se apaixona por uma mulher dita como terrorista. No elenco ainda estão Robert DeNiro (de “Coringa“) e Ian Holm (“Alien“) .
Se em ‘Não Olhe pra Cima’ a ganância gera líderes estúpidos (como a presidente vivida por Meryl Streep), em Idiocracia (Idiocracy, 2006), a sociedade inteira é absurdamente estúpida.
A comédia (ou previsão?) feita por Mike Judge nos transporta pra uma sociedade em 2505, onde as pessoas se tornaram substancialmente burras devido a falta de controle de natalidade: As famílias mais estudadas optavam por ter menos filhos enquanto os menos inteligentes tinham vários; ao passar dos anos, os idiotas dominaram a Terra, quase votlando a falar de maneira rudimentar.
É pra essa sociedade que um soldado do exército (Luke Wilson, de As Panteras) é enviado e precisa conviver com os absurdos. O filme brinca não só com a estupidez, mas também com escassez de alimentos – em uma sequência, o presidente vivido por Terry Crews quer resolver a falta de alimentos nos EUA, e o problema inteiro era só irrigação!
Existem vários outros filmes que podem integrar esta lista, embarcando na ironia ou no drama. Valem menções aqui à excelente série O Conto da Aia, que trata o fundamentalismo religioso, passando pela eugenia vista em Gattaca (1997) e o controle e distorções de 1984. Mas a brincadeira aqui é demonstrar que, em matéria de crítica de seu tempo, o bom Adam McKay fez um bom paralelo da pandemia com “Não Olhe pra Cima” , mas que de tão real, não parece alcançar seu objetivo quando desce pra América Latina. A realidade tão na cara transformou a distopia em realidade, e nos faz procurar distopias que ainda não vieram – felizmente.
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